Apenas 4% de toda a carga brasileira é transportada através dos rios!
Desde 2009, atendendo a um pedido do Governo do Estadual, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo estuda utilizar os rios e represas da capital paulista para criar um grande anel hidroviário. A rede de transportes hidroviários deverá ser implantada em São Paulo até 2040, mas já é muito comum em outras partes do país e regiões metropolitanas de outros países.
Ligando os rios Tietê e Pinheiros e as represas Billings e Taiaçupeba, o anel hidroviário terá 170 Km de comprimento e vai passar por 15 municípios da Grande São Paulo. Alexandre Delijaicov, professor da FAU-USP e coordenador do Grupo Metrópole Fluvial, explica que será construído um canal entre as duas barragens, além de estruturas que cuidem do lixo da cidade, eliminando os aterros sanitários.
“Vamos construir três triportos na Região Metropolitana. Eles integrarão hidrovias, rodovias e ferrovias com o objetivo de acabar com os aterros na cidade”, comenta Alexandre. Ele explica que os triportos servirão para transformar entulho, lixo doméstico, terra de escavação, lodo e resíduos de estações de tratamento em materiais que poderão ser reaproveitados, não apenas na capital paulista, mas também em outras cidades e estados. Esse transporte intermunicipal será realizado por caminhões e trens.
Alexandre destaca que o hidroanel de São Paulo será voltado para a própria cidade. “Não estamos planejando fazer o transporte para outras regiões do país através dos rios. O hidroanel vai transportar material produzido na cidade para a própria cidade”, comenta. A princípio, as hidrovias paulistas serão utilizadas para saneamento, mas também poderão ser usadas para transporte de passageiros e lazer.
Potencial subaproveitado
De acordo com relatório da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o Brasil tem cerca de 13 mil quilômetros de hidrovias economicamente utilizáveis. Se fossem realizadas as obras estruturais adequadas, além da exploração de outros rios e lagos com potencial econômico, a malha hidroviária do Brasil poderia chegar a 63 mil quilômetros.
Apesar desse potencial, o volume de cargas transportadas nos rios brasileiros ainda é muito pequeno. Anualmente, navegam pelas hidrovias nacionais cerca de 45 milhões de toneladas de carga, o que equivale a apenas 4% do total transportado em todo o Brasil. Para fins de comparação, as estradas brasileiras são responsáveis por 58% da movimentação de cargas, o que equivale a 652,5 milhões de toneladas.
O investimento em hidrovias traria ao país uma série de vantagens econômicas e ambientais. O estudo aponta que o transporte de cargas através dos rios tem eficiência energética 29 vezes maior do que nas rodovias, além de consumir 19 vezes menos combustíveis. Com isso, a poluição emitida pelos barcos é seis vezes menor que aquela produzida pelos caminhões que transportariam a mesma quantidade de carga.
Pelo viés econômico, as hidrovias também representam a forma mais vantajosa de se transportar carga por longas distâncias. O frete hidroviário de produtos agrícolas e minerais é duas vezes menor que o ferroviário e quatro vezes mais baixo que o rodoviário. Atualmente, o Governo subsidia 1 bilhão de reais para o escoamento da produção agrícola através de rodovias. Se o escoamento fosse feito pelos rios, o gasto seria muito menor.
Hidrovias pelo mundo
O modelo de hidrovia que São Paulo deverá receber nas próximas décadas é semelhante àqueles existentes em cidades da Europa, como Londres, Paris, Moscou e Viena.
Não só na Europa, mas também na Ásia e América há grandes – e antigos – projetos de hidrovias. O rio artificial mais antigo do mundo é o Grande Canal Jing-Han, na China. Em 605, o imperador Yang Guang ordenou a construção de um grande canal entre Pequim e Hangzhou, utilizando trechos construidos em, pelo menos 486 a.C. A obra foi concluída em meados de 1280 e hoje é considerado o maior canal do mundo, com 1.776km.
Alexandre destaca também os canais construídos pelos astecas, na época da fundação da antiga capital do império, Tenochtitlán, por volta de 1325. Criada em um arquipélago, a cidade tinha um complexo sistema de canais que permitiam a passagem de canoas e barcaças maiores, utilizada para a limpeza das ruas. Hoje, porém, os canais não existem mais. Quando os colonos espanhóis chegaram ao México, destruíram grande parte dos diques construídos pelos astecas, diminuindo a área do Lago Texoco. “Grande parte da Cidade do México está localizada no antigo leito do lago. Isso explica a grande instabilidade do solo local”, comenta o professor.
Hoje, a hidrovia é um dos principais modos de se transportar cargas e passageiros pela Europa. As principais capitais europeias, como Londres, Paris, Berlim, Moscou, Viena e Amsterdã são pontos de convergência de hidrovias que as ligam às demais cidades de seus territórios e a países vizinhos. De acordo com a Inland Navigation Europe, companhia que promove o uso da navegação, o continente conta com 40 mil quilômetros de hidrovias.
Um exemplo de país interligado por canais artificiais é o Reino Unido. “A navegação entre cidades britânicas feita pelo mar era muito perigosa. Por isso, os ingleses construíram cerca de 8 mil quilômetros de canais no Século 18”. Na verdade, de acordo com o professor, a Revolução Industrial só foi possível graças às hidrovias britânicas. Em uma época em que ainda não existiam ferrovias, os rios e canais possibilitaram um grande escoamento de produtos, além da transferência de material e de tecnologia para se construir fábricas longe de Londres.