A biodiversidade na cabeceira do Rio Tietê

O Rio verdadeiro está vivo!

Durante uma das várias leituras sobre questões ambientais, destacou-se a seguinte analogia:

“A queda da biodiversidade, é como queimar uma biblioteca antes de ter lido seus livros”

Neste texto, propomos uma reflexão sobre esta questão.

A bacia de cabeceiras do Tietê é uma sub-região do alto rio, que forma a bacia hidrográfica do alto rio Paraná. A região de cabeceiras, porção superior próxima à nascente, ocupa uma área de 1.889 km2, entre a nascente do rio e o município de Itaquaquecetuba, incluindo os municípios de Biritiba-Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis e Suzano. Os principais afluentes do Tietê, que formam a bacia de cabeceiras, são os rios Claro, Paraitinga, Biritiba-Mirim, Jundiaí e Taiaçupeba-Mirim.

Considerado morto dentro dos limites da cidade de São Paulo, o rio Tietê abriga a menos de 80 km do centro da capital espécies de peixes não descritas pela ciência…

A região das cabeceiras do Tietê sempre sofreu forte impacto com a ocupação humana, em especial pela redução de áreas de vegetação nativa, substituída por pastagens e culturas agrícolas diversas. No passado, a bacia de cabeceiras do Tietê foi ocupada por vegetação da Mata Atlântica, com mata ciliar e áreas de várzea ao longo do seu curso.

A partir do século 17, a exploração da cana-de-açúcar deu início ao primeiro ciclo de desmatamento das margens do rio e seus afluentes, com os primeiros registros de alterações na qualidade das águas, consequência da exploração de ouro e ferro no estado de São Paulo. Mais recentemente, a necessidade de produção de alimentos para população da área metropolitana de São Paulo e o cultivo de eucalipto (Eucaliptus spp.) pela indústria de papel e celulose são os principais fatores de forte pressão sobre o meio ambiente da região, incluindo os recursos hídricos.

Onde começa descaso

A ictiofauna das cabeceiras do Tietê é bastante diferenciada da encontrada em outras regiões do alto rio Paraná, resultado de possível colonização por espécies de rios litorâneos, como consequência de conexão entre os rios no passado. Apesar da proximidade com a capital, e importantes centros de pesquisa do estado de São Paulo, o conhecimento da fauna de peixes da região é resultado de estudos tardios realizados por naturalistas do século 19.

Esforços recentes de levantamento das espécies de peixes das cabeceiras do Tietê realizado pelos pesquisadores do Núcleo Integrado de Biotecnologia da Universidade de Mogi das Cruzes (NIB) revelam novos dados em relação ao conhecimento da fauna da região. Com base em coletas nos rios da região e informação disponível na literatura científica, cinco ordens de peixes são reconhecidas; a mais diversificada é a ordem dos Characiformes (ou lambaris), com 22 espécies representando 44% do número total de espécies de peixe, seguida pela ordem dos Siluriformes (ou bagres), representada por 17 espécies ou 34% do total; a ordem dos Perciformes (os carás) reúne sete espécies, seguida pelas ordens dos Gyminotiformes (as tuviras) com 3 espécies e os Cyprinodontiformes (os guarus) com uma única. Em conjunto, elas representam 22% do número total de espécies encontradas nas cabeceiras do Tietê.

As novas descobertas mostram a importância de conhecer e preservar a beleza ambiental e riqueza biológica relativamente preservada nas cabeceiras do Tietê, permitindo que gerações futuras conheçam nossos peixes e sua história. Muitas dessas espécies, mesmo antes de serem descritas, apresentam graus diversos de ameaça de extinção em consequência do processo de urbanização e industrialização, que ao longo dos anos tem alterado as condições naturais do ambiente onde os peixes vivem. O Livro brasileiro da fauna ameaçada de extinção do Brasil, publicado para servir de subsídio a políticas de conservação de espécies ameaçadas, ou em risco de extinção, inclui sete espécies de peixes da região de cabeceiras do Tietê em alguma das categorias de ameaça. Entre elas a Spintherobolus papilliferus (Eigenmann, 1911), Heptapterus multiradiatus (Ihering, 1907) e Trichomycterus paolence (Eigenmann, 1917) não foram capturadas no levantamento recente das espécies da região.

A esperança é a última que morre

Os resultados demonstram que o rio Tietê, considerado morto e com ausência absoluta de peixes dentro dos limites da cidade de São Paulo, sustenta uma rica ictiofauna na porção das cabeceiras. A região é caracterizada por uma fauna de peixes única, representada por espécies endêmicas e outras encontradas somente em rios litorâneos do Sudeste, riqueza que pode ser ainda maior, caso espécies provisoriamente designadas com nomes disponíveis na literatura científica, sejam identificados como espécies novas em estudos futuros. É importante termos consciência de que, mesmo não sendo possível para um não especialista observar nossos peixes, a presença e diversidade deles representa a saúde e equilíbrio de nossos rios.