A revitalização de um rio em Seul

Exemplo a ser seguido!

Quem vê a água limpa descendo pelo rio Cheonggyecheon, em Seul, na Coréia do Sul, e pode usufruir das áreas verdes que tornaram o centro de cidade mais agradável, não imagina que, até o início desta década, aquela era apenas mais uma zona urbana degradada, a exemplo de tantas outras pelo mundo afora.

Para garantir a recuperação ambiental, a prefeitura local tomou decisões radicais, incluindo a demolição de um viaduto que cobria esse canal urbano totalmente poluído. Cerca de 620 mil toneladas de concreto foram ao chão e investimentos de US$ 380 milhões tornaram realidade o que parecia impossível: assegurar a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos a partir da paisagem restaurada.

A recuperação do rio Cheonggyecheon é considerada uma referência mundial em humanização de cidades, não só pela despoluição das águas mas pela construção de parques lineares que devolveram o contato das margens aos moradores da cidade, que é a sétima maior do mundo em número de habitantes.

O concreto do viaduto derrubado foi reciclado, e as obras de recuperação, iniciadas em meados de 2003. Três anos depois, parte do canal de 80 metros de largura foi aberto ao público.

Para facilitar o acesso ao local, além da construção de novas pontes, o sistema de transporte coletivo foi ampliado, o que significou uma redução no número de veículos nos arredores. As interferências urbanísticas e as obras de melhoria ambiental fizeram a temperatura na área do canal cair em média 3,6°C em relação a outras regiões da cidade.

O projeto entregou aos moradores da região áreas verdes que totalizam 400 hectares.

Esse é certamente um belo exemplo de melhoria da qualidade de vida da população e é importante destacar que para realizar o projeto e demolir o viaduto por onde passavam aproximadamente 160 mil automóveis por dia a prefeitura de Seul enfrentou resistências, sobretudo de comerciantes, que foram realocados. Símbolo da expansão urbana e da busca por soluções para dar conta do incremento do tráfego no centro da cidade, aquela estrutura de concreto, com seis pistas de alta velocidade, havia coberto totalmente o antigo canal, onde no passado, as mulheres lavavam roupas.

Sem viaduto e com menos trânsito

A polêmica obra da prefeitura de Seul começou em 1999. O prefeito daquela época Lee Myung Bak, foi o responsável pela mobilização para despoluir o canal, demolir o viaduto e criar os parques lineares. Para tocar a empreitada foi chamado o urbanista Kee Yeon Hwang, que, após várias consultas à população, desenvolveu o projeto de recuperação ambiental e urbanística. A equipe dele também passou mais de seis meses investigando alternativas para melhorar o tráfego.

Foi criado um semi-anel viário para desviar o tráfego da área do antigo viaduto.

A cidade passou a respirar mais e o pedestre pode vê-la melhor. Para os urbanistas, Seul conseguiu uma proeza que parece impossível para outras metrópoles mundiais, entre as quais São Paulo.

No caso da capital paulista, arquitetos citam o Minhocão, viaduto que, além de interferir negativamente na paisagem, concentra degradação social e ambiental no seu entorno, problema que considera desafiador quando se pensa na sustentabilidade das cidades.  Ao elaborar um projeto, o urbanista tem que pensar em questões que transcendem os limites da arquitetura. Isso inclui os problemas sociais que uma obra pode evidenciar no longo prazo afirmam.

Inspiração curitibana

Seul, como Barcelona, na Espanha, é um exemplo de metrópole cujo espaço urbano foi fortemente requalificado para sediar os Jogos Olímpicos. A recuperação do rio no centro da cidade é continuidade do processo de outras grandes reformas estruturais que ficaram como legado da Olimpíada de 1988. As preocupações com o crescimento do tráfego de veículos, no entanto, levou gestores coreanos a buscarem experiências inovadoras ao redor do mundo a de Curitiba é uma delas.

Na capital sul-coreana, por onde circulam 2,8 milhões de automóveis, o sistema de ônibus transporta 25% dos passageiros da cidade, enquanto o metrô faz 35% dos deslocamentos. Seul se inspirou no projeto desenvolvido em Curitiba, de vias segregadas. Essas pistas, exclusivas para ônibus, começaram a tomar forma em 1974 e transformaram Curitiba em referência de cidade que melhorou a infraestrutura viária para dar vazão ao transporte de massa.

A paisagem urbana preservada, ou revitalizada, é parte da qualidade de vida nas cidades. É por isso que, ao pensar em ampliar as soluções de transporte urbano, Curitiba construiu o metrô aproveitando canaletas criadas para as vias segregadas. Escavando apenas sete metros e sem necessidade de desapropriar imóveis, os custos das obras caíram, além de o impacto ambiental ser menor.

Complexo Tietê

No caso de São Paulo, com um programa complexo como a despoluição do rio Tietê, um dos grandes desafios, em nossa opinião, é fazer com que a população se aproxime dos espaços cortados pelo rio. Como fazer isso em áreas adensadas ao longo das marginais Pinheiros e Tietê? Essa, certamente, é uma questão relevante. Pois entendemos que a cidade precisa de humanização, e os rios têm papel fundamental nesse processo.

Já o professor Mário Thadeu Leme de Barros, da Universidade de São Paulo (USP), afirma: “Ainda temos grandes problemas sociais a resolver, o que torna complexos projetos de grande porte como é o caso da despoluição do Tietê”.

Alcançar 100% de coleta e de tratamento de esgoto lançado no rio Tietê é um desafio para mais dez anos, segundo os técnicos.

Os recursos já aplicados seriam suficientes para, no período de 2009 a 2015, coletar 90% e tratar 80% do esgoto doméstico produzido na região metropolitana de São Paulo, onde se concentram 20 milhões de habitantes. Alguns técnicos consideram que o projeto em São Paulo alcançou resultados positivos. E destacam que, entre 1991 e 1992, a mancha crítica de poluição causada pelo lançamento de esgoto sem tratamento no Tietê chegava a Barra Bonita, a cerca de 300 km da capital.

Hoje ela foi reduzida a 160 km e alcança os municípios de Pirapora e Salto. Ainda é um absurdo, mas acreditamos que cientificamente o Tietê não tem piorado, mas poderia estar muito melhor considerando o volume de recursos financeiros destinados ao “Projeto Tietê”. Esse é o tipo de iniciativa que tem resultado a longo prazo. A recuperação do Tâmisa [rio que corta Londres], por exemplo, levou mais de 100 anos. No Oriente, apesar de menos complexo, o problema foi solucionado rapidamente. É torcer para que ele inspire as tomadas de decisões por aqui.