Por que não conseguimos despoluir os nossos rios?
Imagine você abrir a janela e se deparar com uma espuma negra avançando pelas ruas… Parece o roteiro de um filme de ficção, mas não, esta foi a realidade vivenciada pela população de Salto – SP no dia 08/09/15.
O Brasil vive um sério problema de poluição em seus rios. Exemplos não faltam por todo o território, como os rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, o rio Capibaribe, em Recife, o rio Sinos, no Rio Grande do Sul, o rio Iguaçu, no Paraná. Em um País com abundância de água, parece que não atingimos uma convivência saudável com ela.
Uma vez feito o estrago, o que é preciso para revertermos esse quadro? Despoluir rios é tecnicamente possível, como ocorreu nos rios da Coreia do Sul (Han e Cheonggyecheon), em Paris (Sena), na Inglaterra (Tâmisa) e no rio Reno (por diversos países da Europa). E aqui, por que não conseguimos despoluir nossos rios?
Cuidando dos recursos naturais
Nosso País conta com uma das maiores reservas de água doce do mundo (12%) e 53% dos mananciais de água disponíveis na América do Sul. Porém, a natureza propalada como “bem comum” induz à ideia do benefício sem custo. Fica mais fácil e natural respeitar e cuidar do benefício quando este é privado e direto para cada um de nós; quando ele se torna público e indireto, fica mais difícil de atender. Com isso se explica a capacidade de pagar pela água potável, enquanto a ideia de pagar pelo tratamento do esgoto é mais difícil. Assim, os resíduos gerados pelos grandes conglomerados urbanos são descartados no meio ambiente sem tratamento adequado, poluindo e destruindo os rios. Cuidar dos nossos mananciais e manter o meio ambiente saudável está mais para o discurso público fácil do que para a ação individual difícil.
Especificamente em relação aos rios de São Paulo, deparamos com imensos equívocos de planejamento e total falta de administração na gestão. O programa de despoluição do Projeto Tietê é executado pela empresa de saneamento básico do Estado de São Paulo (Sabesp) que, em última análise, é a grande responsável pela situação de degradação desses recursos hídricos.
A secretaria Estadual de Desenvolvimento Metropolitano deveria estar à frente do projeto, centralizando não só o planejamento, mas especialmente as decisões e execuções das obras. A conturbação das cidades da região metropolitana também influi na questão. A predominância de sistemas viários muito próximos aos rios, como as marginais do Tietê e Pinheiros, a rodovia Ayrton Senna e o rodoanel viário Mário Covas, provoca um carregamento de poluentes em volumes significativos para os cursos d’água. Isso se deve em parte por falhas no licenciamento desses projetos e, acima de tudo, por falta de integração entre as políticas de Estado, notadamente quando diz em respeito à de drenagem urbana – falha, ultrapassada e baseada nos perniciosos “piscinões”. A limpeza urbana, de atribuição das prefeituras, tem papel importante nesse contexto. O desrespeito à preservação das Áreas de Proteção Permanente (APPs), com a cultural omissão do Estado e municípios na fiscalização e remoção de ocupações irregulares, também deve ser considerado como fator a dificultar a despoluição dos rios.
Antes de pensar em despoluir nossos rios, devemos pensar na causa da poluição, intimamente associada a lançamentos sem controle de efluentes domésticos e industriais nos rios, e a destinação do lixo nas cidades. Um levantamento feito pelo IBGE em 2008 atesta que apenas 30% dos municípios brasileiros, em média, contam com tratamento de esgoto. No Estado do Pará, são 4,2%. Todo o esgoto não tratado, produzido diariamente por milhões de pessoas, vai para o rio mais próximo. Como mudar esse quadro? Com investimentos maciços no saneamento básico, com rede coletora e tratamento do esgoto antes do lançamento nos rios. O pensamento de que sempre haverá a depuração natural nos rios de grandes volumes é outro equívoco que gostaria de esclarecer. Na foz do Amazonas foi encontrada contaminação por metais pesados, assim como no rio Pará, próximo ao polo industrial de Vila do Conde. A capacidade diluidora de um rio tem seu limite. É possível o desenvolvimento das cidades sem agressões ao meio ambiente, basta que poder público e população se unam em uma causa comum e não pensem que os rios são locais de destino de nossos rejeitos. Com essa conscientização, se o problema não for resolvido, será pelo menos minimizado.
Pensando no amanhã
O problema principal no Brasil e de praticamente todos os países não desenvolvidos é a falta de planejamento e de investimentos sérios em saneamento básico e em planos urbanísticos. Existe ainda a ganância dos loteadores, além da falta de normas e de fiscalização das prefeituras. Deve-se ainda lembrar que, com isso, muitas prefeituras dão verdadeiros tiros nos pés, pois prejudicam o turismo e o bem-estar dos habitantes. Apesar de possuirmos bons profissionais especialistas no setor de planejamento urbano e de saneamento desde a época do Francisco Saturnino de Brito, patrono da engenharia sanitária, a falta de planejamento e de investimentos é crônica. Mas não se pode generalizar. Devo insistir que cada caso é um caso.
Temos bons e péssimos exemplos em zonas urbanas e em zonas rurais que merecem planejamentos distintos, como o projeto Cultivando Água Boa, no entorno do lago Itaipu.
A despoluição de rios e mananciais de água possui técnicas específicas para inúmeros casos de contaminação, seja ela industrial ou doméstica. Porém, até as melhores técnicas, além de terem um custo muito alto, não dão conta da descontaminação total de uma região contaminada. Por isso, mananciais que abastecem populações nunca devem ser contaminados, pois não há 100% de reversão do problema.
Além disso, a descontaminação de rios também tem condicionantes políticas e culturais. O principal fator cultural é compreender que a água é um elemento vital, que constitui cerca de 70% de um organismo humano. Agora responda rápido: de onde vem a água que você bebe? A imensa maioria da população de centros urbanos não sabe, e tampouco sabe para onde escoa a água que utiliza. Esse imenso descaso cultural com a água é a causa primeira pela qual, no Brasil, não conseguimos dar conta da descontaminação dos rios e mananciais. O resultado é a infestação generalizada de nossos rios urbanos e a proliferação de doenças que enchem as filas dos centros de saúde.