De frente ou de costas para o rio?

A beira-rio e as funções urbanas

Sob o ponto de vista urbanístico, a interação entre rio e cidade depende principalmente das funções, que as margens do rio exercem – ou podem exercer – no contexto do conjunto urbano e como elas se inserem no dia-a-dia de uma cidade. As seguintes funções podem ser destacadas:

A função de trabalho

A análise das transformações da relação rio-cidade no decorrer dos tempos mostra que o rio – e consequentemente as margens do rio – forneceu em muitas cidades trabalho para os habitantes: nos portos e na sua administração, no setor de transporte, nos armazéns, nas usinas, nos frigoríficos e abatedouros que, em muitas cidades, se localizaram na beira dos rios. Esta configuração influenciou a percepção do rio e das suas margens, prevalecendo frequentemente – especialmente nas cidades portuárias – a função econômica na memória coletiva.

Com as transformações ocorridas, muitas destas formas “tradicionais” de trabalho tendem a diminuir – ou mesmo a desaparecer. Portanto, isto não significa necessariamente que a função de trabalho desapareça das margens de rio. Ao contrário, o trabalho braçal, que dominava antigamente, é gradativamente substituído pelo setor de serviços, pela logística nas instalações portuárias, mas também por serviços que não se relacionam mais diretamente com o rio, tendo em vista que a maioria dos projetos Waterfront se caracteriza pelas múltiplas funções (serviço / moradia).

São, então, as empresas do setor financeiro, do setor de informática ou de administração (p.ex. nos London Docklands), o setor público ou as universidades (p.ex. na HafenCity Hamburg) que substituem cada vez mais o trabalhador portuário ou industrial. Assim, o mundo de trabalho nas margens de rio é submetido a uma progressiva terceirização.

A função de transporte

Sob a perspectiva urbanística, é interessante analisar a inserção das margens dos rios nas vias de comunicação interurbana e intermunicipal. Em função do desenvolvimento e da estruturação do espaço urbano, as avenidas beira-rio exercem hoje, no tempo da motorização, muitas vezes a função de corredores para o acesso às áreas centrais de uma cidade (Paris é um bom exemplo para esta situação). Ao mesmo tempo, estes corredores de alta densidade de trânsito podem formar barreiras entre o rio e a cidade, dificultando a passagem de pessoas para as margens do rio e deteriorando a qualidade ambiental (ruído e outros impactos ambientais). Nestes casos, é importante de achar alternativas para possibilitar uma reaproximação entre rio e cidade.

O transporte fluvial propriamente dito é dedicado normalmente ao transporte de cargas. Fora das cidades “aquáticas” (p.ex. Veneza ou Amsterdam) o transporte de pessoas se restringe aos barcos de passeio. Em alguns casos, no entanto, observa-se também uma revitalização do transporte fluvial, sendo este considerado como uma alternativa rápida para as estradas sobrecarregadas (tentativas respectivas existem recentemente p.ex. na comunicação entre Vienna e Bratislava no rio Danúbio).

A função de moradia

Morar perto do rio não era sempre uma situação privilegiada. Durante muito tempo, encontravam-se, principalmente nesta localização, os artesões que precisavam da proximidade da água para exercer suas atividades. Já no século XIX, no entanto, algumas localizações fluviais, sobretudo aquelas longe das instalações portuárias e industriais, foram altamente valorizadas pela burguesia como lugar de moradia (bons exemplos são a Binnen- e a Außenalster em Hamburgo ou ainda o Schaumainkai em Frankfurt am Main).

Espaço, vista, e aeração eram alguns dos relevantes fatores de localização. Hoje em dia, morar perto da água e, ao mesmo tempo, dentro da cidade é considerado, cada vez mais, sendo um privilégio que tem, aliás, um preço elevado. A maioria dos atuais projetos Waterfront baseia-se nesta revalorização da moradia beira-rio, sendo os clientes visados grupos de poder aquisitivo elevado, executivos ou ainda os famosos yuppies que pretendem destacar-se pelas suas formas de moradia da média dos moradores. São fatores localização relevantes, além da situação paisagística, a proximidade ao trabalho e à vida urbana.

A função cultural e de lazer

O rio, as pontes e as suas margens (revitalizadas) formam uma paisagem urbana específica e podem dar uma identidade inconfundível a uma cidade. São as beira-rios – suposto que o acesso esteja assegurado – que convidam para passeios e que oferecem potencial para as mais diversas atividades (esporte fluvial etc).

Desta maneira, podem formar áreas intra-urbanas de lazer. Muitas administrações urbanas reconhecem este potencial e tentam de valorizá-lo por diversas ações, por instalações permanentes ou temporárias. Exemplos são as diversas festas beira-rio, p.ex. o Mainuferfest e o Museumsuferfest em Frankfurt am Main, ou ainda a ação Paris-Plages em Paris que converte, cada ano desde 2002, durante dois meses no verão, partes das margens da Seine em praia intra-urbana. Na ocasião de grandes eventos esportivos, o public-viewing é organizado p.ex. em Frankfurt am Main nas margens do rio etc. Novas instalações permanentes fazem parte de muitos projetos Waterfront, como marinas, restaurantes e bares, salas de exposição e principalmente museus. Todo isto faz parte de uma grande mis-en-scène pública dos rios e das suas margens, que pode ser interpretado como exemplo explícito da festivalização da política urbana pós-moderna em muitas cidades europeias (Häußermann, Siebel 1992).

Diante as transformações sócio-econômicas ocorridas nas cidades europeias e considerando as diversas funções que caracterizam a relação entre rio e cidade, muitas cidades reconhecem o grande potencial dos rios e das suas margens no âmbito das respectivas políticas de revitalização urbana.

Resta a perguntar, portanto, como e para quem as revitalizações das margens dos rios são realizadas.