Enchentes nas metrópoles

O dia seguinte de uma chuva torrencial é sempre um momento de reflexão sobre as condições de viver, trabalhar e se deslocar com segurança em uma grande metrópole como São Paulo, cuja infraestrutura urbana apresenta nítidos sinais de esgotamento ou limitação em várias regiões, frente ao volume de água que, de repente, cai dos céus e invade ruas e calçadas, prejudicando a mobilidade de todos.

Alguns não conseguem sair do trabalho ou ficam horas presos no trânsito travado a caminho de casa, ao final do expediente. Outros enfrentaram perdas patrimoniais importantes, têm suas casas invadidas e veem seus carros boiando nas regiões de alagamentos mais graves.

Mas o sentimento comum, após alguns minutos do início do temporal, é o susto de assistir as enxurradas tomando conta de tudo, criando chafarizes improváveis, arrastando objetos, automóveis, sacos de lixo e muito mais, com uma força que chega a surpreender, seja pelo volume ou velocidade de deslocamento da água.

Consequências da impermeabilização do solo

Nesse momento fica claro o que significa a tal da impermeabilização do solo das cidades: se os terrenos e as encostas mais íngremes da cidade não tivessem se transformado em lotes construídos e ruas impermeabilizadas por asfalto, provavelmente o perfil original e a absorção natural do terreno, ajudado por uma vegetação mais intensa conseguiriam fazer o papel de redutores da violência do deslocamento da água, prevenindo eventuais consequências da precipitação natural intensa e concentrada em alguns bairros.

A impermeabilização do solo é ,portanto, um dos desafios mais difíceis de resolver no processo de urbanização, em vista de sua irreversibilidade. Cada metro quadrado impermeabilizado por um conveniente quintal cimentado ou por edifícios e seus necessários subsolos de garagem, precisa ser compensado por um complexo de estruturas físicas para a captação da água superficial, formado pelo conjunto de ralos, tubos e caixas de armazenamento temporário dentro das construções, guias e sarjetas, bocas de lobo, poços de visita e tubulação enterrada nas áreas públicas, de modo a encaminhar as águas coletadas até a região mais baixa da vizinhança onde estão as galerias de águas pluviais, geralmente sob a parte do terreno que os topógrafos chamam de “talvegue” natural.

Toda essa água que assusta e permanece na superfície das ruas por alguns minutos (ou horas, às vezes dias) diante de uma população-refém do fenômeno natural de uma tempestade de verão, seja na forma de enxurradas ou alagamentos temporários, na falta de condições para se infiltrar no terreno, precisa chegar até o córrego mais próximo e seguir seu caminho natural até os rios maiores. Na maior parte do tempo, essa infra-estrutura funciona fora da vista dos cidadãos, pois muitos dos córregos importantes já foram canalizados e escondem-se sob ruas e avenidas.

A esse conjunto de estruturas urbanas, a engenharia das cidades dá o nome de sistema de drenagem. A maior parte desses sistemas na cidade de São Paulo foi construída há muitas décadas – nas regiões centrais, entre as duas grandes avenidas marginais, datam das décadas de 50 ou 60 – e desde então as condições de impermeabilidade só pioraram. E o limite desse sistema é a capacidade de rios e córregos permanecerem dentro de seu leito natural, o que também tem sido difícil, trazendo como consequência as indesejáveis enchentes dos bairros ribeirinhos.

Infraestrutura

A canalização de rios e córregos, ou mesmo a calha do Rio Tietê, entregue na década de 90, foi desenvolvida para suportar a vazão das águas sem enchentes, por um tempo estimado de 100 anos, em vista das ocorrências dos últimos anos, deixa claro que não contaram com os aumentos nos volumes das chuvas ocasionados, por fenômenos de aquecimento global que têm provocado maior intensidade dos temporais – seja em volume ou tempo de precipitação -, modificando completamente os parâmetros de dimensionamento desse tipo de infraestrutura.

Com instalações relativamente antigas, a cidade de São Paulo não vai conseguir superar a curto e médio prazos o sub-dimensionamento de seu sistema público de drenagem. Nas próximas décadas, portanto, os cidadãos vão ter que aprender a resolver e assumir parte dos problemas dentro de seus próprios lotes – construindo cisternas de acumulação temporária, por exemplo – e a conviver com as águas superficiais assustadoras nos dias de chuva intensas, o que exigirá um aprendizado de como evitar perdas maiores, seja pelo reconhecimento de alertas de não transitar em determinadas regiões, buscar caminhos alternativos, mudar o sistema de transporte utilizado ou simplesmente obedecer a uma ordem do poder público de não sair de onde estiver, seja em casa ou no trabalho.

Este é o preço que pagamos por não dar a devida importância aos recursos naturais!!!