Aqueles que vivem nas grandes cidades podem constatar que, a cada ano, a temperatura aumenta e a umidade relativa do ar diminui, chegando a recordes históricos e índices alarmantes. Um dos motivos disso é que estamos impermeabilizando as cidades em proporções preocupantes.
Enchentes e Inundações
O contínuo desenvolvimento de uma cidade, avançando sobre áreas de mata nativa e, também, demolindo antigos casarões para substituírem por grandes empreendimentos comerciais, diminui a permeabilidade do solo.
Como consequência, menos água de chuva irá infiltrar no sobsolo, sobrando mais água para escoar pelas ruas e avenidas. Um dos sintomas de “desenvolvimento” de uma cidade é a formação de enxurradas cada vez maiores.
As galerias de águas pluviais, que antes “davam conta do recado”, passam a não atender às novas demandas. Há bairros, alguns deles nobres, totalmente desprovidos de galerias de águas pluviais. A chuva que atinge o solo tem dois caminhos a seguir:
Um é pelo subsolo, na forma de lençol freático, percolando ou formando rios subterrâneos. O outro é pela superfície, na forma de enxurradas, regatos, córregos e rios. Alguns são temporais, isto é, existem somente enquanto chove. Outros são perenes pois existem o ano todo.
Quem garante a perenidade ou não dos cursos d’água é o lençol subterrâneo. Quanto maior a capacidade do subsolo, mais perene será o curso d’água. A água que infiltra no terreno pode levar meses, até anos, até encontrar um local para aflorar à superfície. Estes locais são conhecidos como bicas ou minas d’água
Pode acontecer da água não sair mais para a superfície. Existem no subsolo “buracos” onde a água fica empossada. O Brasil é um dos poucos países do mundo abençoado e premiado com um gigantesco depósito subterrâneo de água doce potável: o Aquífero GUARANY, que fica por baixo dos estados de Goiás, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e parte do Rio Grande do Sul. Diga-se passagem, o Aquífero Guarany é o maior depósito de água potável do mundo.
A capacidade de retenção de água pelo subsolo depende da Permeabilidade do solo. Em solos arenosos (partículas grossas) a permeabilidade é alta. Em solos argilosos (partículas finas) a permeabilidade é baixa. Em solos rochosos, cimentados, ruas asfaltadas, solos que ficam sob as casas e prédios, a permeabilidade é nula.
Quanto maior a permeabilidade do solo, mais água da chuva consegue infiltrar no subsolo e, consequentemente, menos água irá escoar pela superfície.
Quando não existia a cidade, a região tinha alta permeabilidade e grande parte da água da chuva infiltrava no subsolo.
Agora que a floresta foi substituída por prédios e as ruas foram asfaltadas (entenda-se impermeabilizadas), o solo se tornou impermeável e pouca, muito pouca água consegue infiltrar no subsolo. A grande parte da água da chuva corre pela superfície formando as enxurradas.
Cada vez que a cidade se “desenvolve” mais e mais o solo vai tornando cada vez menos permeável. Com isso, cada vez mais água passa a correr pela superfície formando enxurradas cada vez maiores.
Uma região como o Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo, até a década de 40, era ocupada por grandes chácaras. A permeabilidade era altíssima, mesmo por que as roças são confeccionadas para “aprisionar” a água da chuva, obrigando-a a infiltrar no terreno.
Com o vertiginoso “desenvolvimento” urbano (e ainda tem gente que chama isso de desenvolvimento) o solo tornou-se praticamente impermeável, restando bem poucas áreas verdes. Com a permeabilidade zero, não há mais infiltração e toda a água da chuva é obrigada a correr pela superfície, isto é, pelas ruas e avenidas. É um caos.
Essa água que corre pela superfície e que vai invadir as residências e lojas é a INUNDAÇÃO. Ela invade e inunda.
Essa água acaba chegando no rio.
O rio, por sua vez, estava calmo e tranquilo. De repente, recebe um volume extraordinário de água que vem em grande velocidade. Para dar escoamento, o rio deveria estar, também, em grande velocidade, mas não está. Então, ele “enche”. Para ganhar velocidade o rio precisa ter uma diferença de altura, um desnível. A parte que “enche” fica mais alta e “empurra” a água para baixo, fazendo com que o rio adquira velocidade. Com a velocidade a enchente esvazia. As enchentes são provocadas por rios e duram poucas horas.
É comum as pessoas pensarem que a enchente é provocada pela seção estreita do rio. Por isso elas gastam milhões de reais para alargar ou aprofundar a calha do rio. Isso não adianta nada. As enchentes continuarão a acontecer. E, como se fosse ironia do destino, uma única enxurrada pode assorear de novo o rio tornando inócuo todo aquele dinheiro aplicado no desassoreamento da calha. Por que será que os governantes continuam a fazer isso?
Nos bairros contemplados com Rede de Águas Pluviais, a situação se complica dia a dia, pois os casarões antigos estão sendo gradativamente substituídos por prédios e shopping centers.
O Estatuto das Cidades “obriga” todas as prefeituras a construírem uma Rede de Drenagem decente, mas obras de drenagem ficam enterradas e não aparecem, drenagem não dá voto. Poderia mudar a data das eleições para janeiro em pleno período das chuvas.
Além disso, existe uma parafernália de leis como as Operações Urbanas que permitem construir bem acima do limite estabelecido pela Lei do Zoneamento, diminuindo ainda mais a baixa permeabilidade do solo de uma cidade como São Paulo.
Numa cidade que tem o mais alto déficit habitacional, nessa área poderia ser construído 5.000 apartamentos. Entretanto os nossos governantes preferem reservar a área para o cultivo de mato, rato e baratas.